Thursday, September 13, 2012

"E a besta é o cão?"




Sempre que tenho conhecimento destas desgraças em que "o cão matou uma pessoa" seguido do habitual "está de quarentena e será abatido" surgem-me sempre as mesmas perguntas:

Que tipo de vida, socialização e bons/maus tratos teve esse cão desde que nasceu?

Que é que se passa nas quarentenas?...

e qual o seu objectivo?

Porque não há  investigação e avaliação das circunstancias em que o animal vivia nomeadamente nos ultimos dias e horas antes do ataque e isso não é tido em conta, até, porque não, para haver um projecto de reabilitação educacional?

Convertido em recipiente do ódio humano, nada mais fácil que o riscar do número dos vivos!

Quando um ser humano comete um assassinio, quantas vazes não num estado emocional alterado mas friamente planeado, vai passar uns anos na prisão, onde tem as necessidades básicas mais ou menos asseguradas e pagas pelo estado.
E, por aqui, nesta parte da europa, dentro de alguns anos será libertado, talvez mesmo antes de cumprir a totalidade da pena.

No caso de um animal, entra em ação um especismo tão incrustrado que nem damos conta dele..
Onde ja se viu um cão ousar revoltar-se contra o dono -independente do que o dono lhe faça?!

Um cão nao tem direito a nada, alem de obedecer e agradar...

Vamos eliminar esse especime revoltoso e já!

Assassinado o assassino, sem direito a defesa nem investigação de circunstancias, suspiram muitos de alivio, dão aos ombros e, levemente incomodados, procuram outro assunto para a sua atenção.

E o proximo episodio segue dentro de momentos...


* * *


No mais, eu só posso concordar com todas as palavras da

Crónica de Rodrigo Guedes de Carvalho:




E a besta é o cão?


  É uma ironia dos tempos modernos, que pode causar confusão aos mais imberbes alunos de Comunicação Social, que devem andar a aprender, como eu aprendi, que uma boa definição de notícia não é um cão morder um homem, mas sim um homem morder um cão. Se assim é, que se passa? Nas últimas semanas de Agosto, houve um inesperado número de incidentes em cadeia, no que diz respeito a ataques de cães a pessoas. Somados, quase à média de um por dia nas páginas dos jornais ou nas televisões, poderia perceber-se, erradamente, que se tratava de uma epidemia, ou seja, de uma proliferação de casos “iguais”.
Não são, de todo.
Qualquer análise séria conclui, sem dificuldade, que se tratam de situações bem diferentes, pese embora uma mesma raça de cão estar presente em mais do que uma história, e todas elas terem o mesmo desfecho anunciado: o cão em causa foi de quarentena, e será abatido dentro de pouco tempo.

Sobre esta sentença que não levanta indignação que se veja, já lá iremos.

Primeiro, é importante entender que, por mais que defenda os direitos dos animais, não sou fundamentalista ao ponto de não perceber que um cão, ou outro animal, é perfeitamente capaz de “se passar”, como qualquer um de nós.

Neste sentido, há situações, sim, em que se torna incompreensível que um cão ataque, situações em que o animal é, sim, “culpado” do seu crime.

Mas basta reflectir um pouco, analisar os recentes incidentes, ou outros mais antigos, para concluir que as situações sem aparente explicação são uma raridade. Normalmente, o que acontece é o desastre que se adivinhava quando se vêem as circunstâncias, ou se pensa na “qualidade de vida” dos cães em causa.
Regra geral, pertencem a pessoas que não têm a mínima consciência do que significa serem donos de um animal, muito menos quando se aventuram a escolher as chamadas raças potencialmente perigosas.

Ponto básico: se são consideradas potencialmente perigosas, há uma razão para pensar mil vezes antes de optar por elas. Ponto básico número dois: a expressão “potencialmente” é a chave.

Significa que nas mãos de um mau dono, a potencialidade torna-se realidade.

Já é do senso comum, mas ninguém parece querer perceber.
Obviamente que um pequeno caniche também pode ter um comportamento agressivo, mas basta pensar no porte de alguns cães para se entender que a “potencialidade de perigo” de uns é porque, quando se chateia, provoca danos terríveis, muitas vezes fatais. E o que vemos, nos casos mais badalados de Agosto?
Uma continuada, inacreditável irresponsabilidade de muitas pessoas que têm estes cães.

Pessoas que teimam em ter animais sem saberem, ou quererem saber, das noções mais básicas em relação aos animais, no que respeita a respeitarem um líder, sentido de território, stresse causado pela falta de atenção ou exercício, pessoas que não sabem, ou não querem saber, que um cão é, essencialmente, o espelho do seu dono, até porque um cão “pensa”, à sua medida, que é isso que é suposto fazer, é isso que o dono espera dele. Numa das histórias, os pormenores são tão claros, tão prenunciadores de desastre, que causa uma enorme confusão que o nosso sistema para lidar com os casos continue a ser abater o cão em vez de multar ou prender o dono.

Numa das histórias, repito, um cão atacou a mãe do seu dono, um ataque que se revelou mortal. Começa-se a puxar pelos pormenores, e que temos? O indivíduo tinha escolhido, nada menos, do que um arraçado que misturava sangue de pittbull com leão da rodésia.

E mantinha esta bomba-relógio fechada num apartamento exíguo, de onde o cão raramente saía, para se exercitar, destressar ou socializar. Que surpresa, que este cão fosse uma pilha de más vibrações, um desastre à espera de acontecer.

Mas o que mais revolta é saber o que vai acontecer, porque é que acontece sempre nestes casos. O animal vai ser abatido, e o indivíduo, depois de encolher os ombros e assobiar, há-de arranjar outro, que manterá nas mesmas condições.

Como todos os outros que procuram cães potencialmente perigosos, com os quais afirmam uma triste, patética e repugnante posição de agressividade perante os outros. É, para muito cobarde, a única forma de se fazerem maus, ou temidos. E tudo isto vai continuar enquanto este tipo de gente não for punida a sério.

A solução de mandarmos abater cães não adianta um centímetro ao nosso sentido de civilização.




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