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Entre crimes de agressão e violencia de género, o desprezo e maus-tratos vários de familiares numa sociedade cada vez mais psicótica, a vida na que deveria ser a idade de ouro e sabedoria só tem glamour para alguns.
Infelizmente para outros, mais desprotegidos, que até mão abrem por vezes do auto-respeito que se devem, só para ter alguem perto... ainda que agressivo... talvez mortal... bom, para esses, nem mesmo essa mesma sociedade que permitiu o seu infortúnio, parece ter solução fácil à vista.
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Está sentada numa cadeira de madeira, de olhar fixo no chão,. O sol de inverno que atravessa a janela acaricia-lhe o corpo, cheio de dores e marcas. Tem o cabelo todo branco, curto, lavado e da pele enrugada liberta-se um leve aroma a água de rosas. [...] Enquanto fala, olha para baixo e acaricia os botões do casaco "Tenho aqui este lado esquerdo todo torturado. Foi ele que me torturou. As torturas atravessam-me o corpo. Dói-me tudo"Maria, nome fícticio, tem mais de oitenta anos e está casada à mais de quarenta. "Eu nunca me quis casar cedo. Só aos quarenta e picos é que me resolvi. Parece que adivinhava!"
Sobre os olhos castanhos minguados, através das madeixas de cabelo, avista-se uma cicatriz do lado esquerdo. Maria apressa-se a justificar aquele traço que lhe rasga a expressão: "Uma vez agarrou no escorredor de louça, que tinha um bico partido porque já tinha sido ele a parti-lo... Olhe, saiu das normas e atirou-me com aquilo. Ficou aqui a escorrer sangue com toda a força, fez-me um buraco na cabeça, por cima da sobrancelha.
Quando começa a relatar um episódio, imediatamente outros, tantos e tantos outros vêm-lhe à memória. " Outra vez, eu já estava deitadinha, eram mais das dez da noite quando ele veio. Ouvi barulho e pensei que ele já trouxesse um copinho a mais. O feitio mais o copinho ainda ficava pior. Entrou no quarto e comecou a bater-me. Bateu-me, agarrou-me aqui assim, ficou sangue a escorrer até mais não... Nesse dia até a vizinhança, que deve ter ouvido os meus gritos, chamou a polícia. Eu estava tão mal, toda a escorrer sangue, e o guarda perguntou: "Quem é que fez isto?" O meu marido, coitado, não respondeu. Estava à vista!...
Maria não tira os olhos do chão. Encolhe os ombros, suspira e fica em silêncio.
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Enquanto vai descrevendo a agressão, massaja a rótula do joelho com as mãos trémulas. No dedo anelar, enrugado com pele seca, brilham duas alianças: a do casamento e a dos 25 anos de casados
[...] quando não há agressão física, há violência psicológica: "Chamava-me tudo", recorda. "Todos os nomes e mais alguns. Até ali, eu nem sabia que os nomes que ele me chamava eram crime. A minha santa inocência..."
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Maria é um dos milhares de casos de violência contra idosos que ocorrem em Portugal anualmente. O número de denúncias tem vindo a aumentar. Nos últimos sete anos houve um aumento de 20% de casos de maus tratos contra idosos denunciados à APAV.
[...] só no primeiro semestre de 2008 recorreram aquela instituição 308 pessoas idosas vítimas de violência [...] "são a ponta do iceberg". Haverá centenas ou milhares de casos que nunca chegarão a ser denunciados porque há inúmeros obstáculos para se lidar com este problema: "Desde a exposição social, o medo da perda de afecto, a perda do próprio cuidador, a culpabilização, a vergonha, a censura social.
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Por alguns destes motivos, ou talvez todos em conjunto, maria não apresentou queixa do marido. Só depois da recente alteração legislativa estes crimes passaram a ser públicos, permitindo-se a denuncia de qualquer pessoa sem necessidade de queixa da vítima. Neste caso foram os vizinhos os autores da queixa.
Aos 78 anos, o marido foi levado pela GNR, julgado em tribunal e condenado. Por não acatar a sentença de cumprir uma pena de trabalhos a favor da comunidade, acabou por ir parar à prisão. Foi condenado a cinco anos e está na cadeia à dois. Maria já foi visitá-lo à prisão:" Abracei-o com a força que eu tinha e dei-lhe muitos beijinhos na cara. De um lado e de outro, só beijinhos. Tenho saudades dele!"
Chora e ri ao mesmo tempo, de angústia e saudade. Ri-se quando questiona"Em quem é que ele ia bater... Não podia ir bater à vizinha do lado!..." Mas em segundos some-se-lhe a voz:"Não fiquem contra ele! (chora) Já basta ter de lá estar a cumprir aquilo."*
Há cada vez mais idosos em Portugal. [...] Mas as respostas sociais de apoio aos idosos não tem acompanhado a evolução demográfica. As Misericordias têm listas de espera intermináveis. Tambem o acesso aos lares privados não é fácil, mas neste caso devido, principalmente, às altas mensalidades cobradas. "Um idoso num quarto duplo, num lar legalizado, não custa menos de mil ou mil e duzentos euros por mês." [...] São frequentes as notícias de casos de maus tratos em lares de idosos.
A directora do Departamento de Protecção Social e Cidadania, do ISS, Ana Gomes, assume que o governo não só desconhece a dimensão do fenómeno da violência sobre idosos em Portugal como o tema está fora da agenda política: "Esta questão ainda não está bem sinalizada, não está dentro das nossas preocupações. É um assunto que nos merece ainda tanto receio, pelo seu enigma e dimensão de impotência, que às vezes nos esquecemos de que podemos fazer alguma coisa".
É num centro de dia do Bairro Alto que Maria de Lurdes passa os dias . "Trate-me por Milu, para eu parecer mais nova", e solta uma gargalhada nervosa. Tem aulas de canto, de tai chi e de informática.
Tenta prolongar as actividades até ao limite, porque às cinco da tarde, quando tem de regressar a casa, regressa tambem ao pesadelo: em casa está a sua neta de dezoito anos, que a agride.
Confessa a situação em segredo, por vergonha. "Elas aqui até nem sabem" sussura enquanto olha à volta [...] Houve casos em que até teve de intervir a polícia." Olhando para aquela senhora na casa dos setentas, ninguem diria. Solta de sorrisos, extrovertida no falar, cabelo louro arranjado, maquilhada e fina no vestir. "Há alturas em que ela é muito agressiva comigo. Atira-me contra o sofá, puxa-me os cabelos. E chorei, sofri e tenho sofrido muito. Ela tão depressa está muito agarrada a mim como já não está. Ora é meiga, ora é agressiva.
A neta perdeu os pais em criança e vive com a avó desde os nove. "fui eu que a criei", sublinha Milu. É tão bonita, mas depois tem estas coisas. Ela é muito influenciável, e isto é por causa das companhias [...] Grita muito e põe-se a mandar-me para todos os nomes. Só porque não lhe faço as vontades".
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A violência dos netos sobre os avós é cada vez mais frequente. Os netos tendem a seguir o mesmos padrões de comportamento agressivo que vêem nos exemplos familiares próximos.
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Com a aproximação do Natal são cada vez mais as famílias que abandonam os seus idosos em hospitais. [...] A APAV lançou uma campanha que assume ser chocante. [...] Carla Sérgio (responsável do gabinete de apoio à vitima de Odivelas) conta que "muitas vezes os idosos são internados para que o agregado familiar possa ir de férias e não tenha o idoso a seu cuidado. Deixam contactos falsos, moradas erradas, e abandonam-nos no hospital. Depois quando tem alta clínica, não podem ter alta social porque não há quem assuma os cuidados. Isso é uma forma de violência bastante grave.
Há pessoas que alimentam de bolos e doces os idosos diabéticos uns dias antes das férias, de modo a que eles tenham mesmo de ficar internados uns dias. Por isso a campanha assemelha-se às de abandono de animais, já que para a APAV é exatamente isso que as familias fazem. Descartam-se da pessoa que não representa nada a não ser um peso no agregado familiar.
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Aos 88 anos Maria José lamenta que nenhum dos seus quatro filhos lhe dê o mínimo de atenção. Os olhos enchem-se de lágrimas sempre que fala dos filhos. Dividi o meu dinheiro por eles e agora dizem que eu não posso ir para o lar para não gastar dinheiro porque depois eles não tem dinheiro para me fazer o funeral. Maria josé tenta esquecer a realidade, mas não pensa noutra coisa. "Isto mata-me. Eu não esperava isto. Eu não merecia isto!"
Carla Sérgio explica que há situações de agressões físicas graves, desde partir a casa, partir as costelas, as pernas, queimar com cigarros, não dar os medicamentos ou comida". Mas há questões de violencia psicológica muito graves. Dizem-se coisas como "nunca mais morres, não vales nada, és um trapo velho, não contas para nada, só estás aqui a consumir dinheiro, não gastes porque já não vale a pena. É terrível. E eles não esquecem."
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O país está cheio de idosos solitários que vivem à margem da sociedade, num mundo que priveligia os jovens e despreza os velhos
Ano após ano, António Fernandes tem apenas dois pontos altos por semana: os jogos do Benfica ao domingo e a descoberta semanal dos números do totoloto, "para ver se fiquei rico"
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Em Lisboa, há inumeros casos de idosos que não saem à rua à anos porque tem dificuldades de mobilidade e habitam em prédio sem elevador. O instinto de sobrevivencia fez com que arranjassem uma corda que passam pela janela e na qual penduram um balde. Aí deixam a lista de compras ou o que necessitam e alguem na rua serve de intermediario. São centenas de idosos, cujo único contacto com o exterior é uma corda e um balde através de uma longínqua janela de um quarto andar num prédio esconso. Como será o mundo à distancia de um balde?
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Tambem as assistentes sociais no apoio domiciliário detectam situações de indiscritíveis.
Graça Oliveira, que trabalha na àrea de intervenção do Barreiro, agonia-se ao recordar a situação de um casal que vivia com uma neta, e senhora estava acamada e a neta negligenciava muito os cuidados com os avós. [...] Alertaram para a situação, [...] "a neta não autorizava que os tirassemos de lá". Acabaram por morrer.
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APAV-Linha de denúncias de abandono-707200077
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Linha do cidadão idoso-800203531
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Linha de emergencia social - 144
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Excertos de "Este Natal não é para velhos"
revista notícias sábado 152 - texto de Ana Catarina Santos
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A síndrome de estocolmo explica algumas coisas... mas sinceramente eu não entendo...
ReplyDeleteAs mulheres tem de fazer o movimento contra a dor silente de que são vítimas...
Não podem ficar a espera que "alguém" ou alguma coisa as venha salvar...
Manifesto Nana Odara:
A Via do Prazer
" O prazer como antítodo social À violência patriarcal"