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O Zé Carlos tem 7 anos. Aos 6 entrou para a escola. Bate em todos e furta de preferência objectos novos que os outros meninos levam. Se apanha animais no recreio onde brinca, mata-os com requintes de malvadez.
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O Zé Carlos tem 7 anos. Quando o vejo pela primeira vez em consulta faz-me um desenho livre. Tem sete cruzes, sete, e uma igreja e um céu. Cada cruz a um pertence, explica-me:
«Esta é pelo meu pai que está na prisão. Esta é do avô que morreu primeiro e esta é da avó que morreu depois. Esta é do meu tio que estava doente e esta é do meu primo que agora foi para a tropa e já não mora lá em casa»
Das duas que sobram, uma sobrevoa o desenho, enorme, com um Cristo crucificado.
«Já vi uma Bíblia assim» - e com os dedos mostra-me uma espessura de lombada grossa.
«E a última cruz?»
«É uma cruz voadora, é de quem a agarrar.»
Pergunto se não há vivos neste desenho.
«Jesus é vivo mas já está morto.»
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O Zé Carlos é um rapaz de 7 anos. Se tivesse sete vídas psíquicas, julgo que estaria já a viver no limiar da última. Vem à consulta acompanhado pela mãe, mas o verdadeiro pedido de ajuda é o da escola, não o da família.. A mãe é uma mulher jovem, ainda na casa dos vinte e já com cinco filhos. o Zé Carlos, o mais velho dos irmãos, vive com a avó materna. As duas crianças seguintes vivem com os respectivos pais. Só os dois mais novos é que vivem com a mãe e com o actual companheiro desta.
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É uma mulher que parece ter um discurso sempre distante de uma ressonância afectiva do que me narra [...] e descreve-me o seu actual companheiro que considera uma pessoa frágil com quem se identifica:
«Só tem o problema da bebida. Mas mesmo bêbado não é agressivo, anda a cair e é só isso. Até é meigo nessas alturas e mais brincalhão que o normal.» Instantes atrás mostrara-me uma nódoa negra marca viva de uma agressão recente deste homem.
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Nas histórias de crianças que passam por negligência, maus tratos ou abusos encontramos vulgarmente um peso do que chamamos «perturbações transgeracionais». As raízes do actual mal afundam-se muitos anos atrás, em gerações precedentes
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«Has-de passar tantas ou piores das que eu passei», dizia uma mãe maltratante ao seu bebé de meses que segurava que segurava no colo.
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A este propósito, deixem-me falar-vos de uma história da Andreia de 9 anos. Conhecia-a num grupo de deslocação à praia de um grupo de crianças que em comum tinham um passado de desamparo emocional.
Uma estrela do mar agonizava ao calor de uma maré vazia em que, com certeza, fora apanhada desprevenida. As suas cinco pontas eram circundadas por seis pernas em círculo. A conversa entre este grupo de três crianças foi assim:
Nelson: «Matamos ela?»
Sílvia: «Matamos.»
Andreia: «Não. Põe outra vez ela ao mar.»
Sílvia: «Deixa.»
Nelson: «Porquê?»
Andreia: «Não vês que no mar deve haver quem trate dela?»
Sílvia: «Pois.»
Nelson: «Vou pôr quando a maré chegar.»
[...]
nem todos podem manter esta capacidade de repararação como a Andreia.
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