"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo"
(Álvaro de Campos, Poema em Linha Recta)
É fácil chegar à rua para por lá ficar. Costuma dizer-se: cair na rua. [..] Não imaginam a facilidade com que as paredes se desfazem. Não são só os drogados, os alcoólicos, enfim, os viciados. Há tantos vícios dentro de portas. [...]
Outra vezes fugimos para a rua para não enlouquecer de desalento.
[...] os casos ditos mais difíceis, resistentes às assistentes sociais, aos lares, aos "projectos de vida", à chamada "reintegração". Estúpida palavra, absurda, cheia de gelo e fealdade -reintegração. Todos os reintegradores acabaram um dia, não muito longe, reintegrados na terra. Ou no fogo.
[...]
Para desgosto dos altos desígnios do turismo nacional os que vivem na rua gostam de lugares bonios. Gostam do Terreiro do Paço, por exemplo. Um desassossego.. Tirem-nos daqui! Tirem-nos daqui! Bradava à meses uma figura de efémero poder agoniada. Enxotam-nos e eles voltam, como gaivotas, para a beira do rio.
[..]
Há apaixonados que encontram na rua a casa que não podem ter.
[..] as equipas de rua conhecem bem cada uma destas pessoas.
E um trabalho lento, doloroso, discreto, contínuo, sem a visibilidade pimpona das obras de cimento.
Sem-abrigo somos todos nós e muito mais os que vivem sobre o tecto do êxito obrigatório.
(exertos da crónica de Inês Pedrosa -Viver na Rua)
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