Friday, May 28, 2010

"o zigoto errado"


...Às vezes elas tentavam se adequar a qualquer padrão que estivesse na moda, sem perceber até bem mais tarde o que realmente queriam, como precisavam de viver.
[...]
Nascemos do jeito que nascemos e nas estranhas famílias a que pertencemos 1) porque sim (quase ninguem acredita nessa), 2) O self tem um planejamento, e nossos cérebros de ervilha são ínfimos de mais para desvendá-lo (muitas consideram essa ideia atreante) ou 3) por causa do síndrome do zigoto errado (bem... é, pode ser... mas o que é isso afinal?)
Sua família a considera uma alienígena. Você tem penas, eles têm escamas. Sua ideia de diversão é a floresta, os ermos, a vida interior, a majestade da natureza. A ideia deles de diversão é dobrar toalhas direitinho. Se isso acontece com você na sua família, você está sendo vítima da síndrome do zigoto errado.
*
...minha amiga Opalanga [...] afro-americana, e eu costumamos contar em conjunto uma história chamada "A fala do corpo" [...] Opalanga é muito alta, com um teixo, e esbelta como ele. Já a minha estrutura é mais próxima do chão, com um corpo exuberante. Além de ser alvo de deboche por ser alta, Opalanga, quando criança, ainda tinha de ouvir que seus dentes incisivos separados eram um sinal de ser ela mentirosa. Já a mim diziam que o tamanho e o formato do meu corpo eram indícios de um ser inferior desprovido de autocontrole.

Enquanto estamos contando juntas nossas histórias sobre o corpo, Opalanga e eu falamos dos golpes e flechadas que recebemos durante a vida inteira porque, de acordo com os Outros, com letra maiúscula, aos nossos corpos faltava algo ou sobrava algo.
[...]
Como fiquei perplexa ao ouvir que, já adulta, ela havia viajado até a Gâmbia, na África ocidental, e encontrado alguns membros da sua linhagem que, pasmem! tinham na sua tribo muitas pessoas altas como teixos, esbeltas e com incisivos separados. Explicaram-lhe que essa abertura se chamava Sakaya Yalah, que quer dizer "abertura de Deus"... e era interpretada como sinal de sabedoria.

Qual não foi a sua surpresa quando eu lhe disse que eu também, já adulta havia viajado até o istmo de Tehuantepec no México e descoberto descendentes dos meus antepassados que, pasmem!, eram uma tribo de mulheres gigantes fortes, brincalhonas e imponentes no tamanho. Elas me haviam dado tapinhas e pequenos puxões, observando atentamente que não estava suficientemente gorda. Eu comia suficiente? Elas explicaram que eu devia me esforçar pois as mulheres são La Tierra, redondas como a própria Terra, pois a Terra contém muito.
[...]
Difamar ou julgar o físico herdado de uma mulher é criar gerações e mais gerações de mulheres ansiosa e neuróticas [...] Se lhe ensinaram a detestar o próprio corpo, como poderá ela amar o corpo da mãe, que tem a mesma estrutura do seu? - ou o corpo da avó, ou das suas filhas também? Como poderá ela amar os corpos de outras mulheres (e homens) próximas a ela que tiverem herdado o corpo dos mesmos antepassados?
[...]
No fundo, a agressão ao corpo da mulher é uma agressão de longo alcance que atinge tanto os que vieram antes dela quanto os que chegarão depois.

(in
de

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*O livro é uma obra incontornável e importantíssima. Eu sabia disso. Mas com livros e filmes aplico uma regra pessoalíssima: só os leio quando (realmente) tenho vontade genuína e não por conselho ou conveniencia. Daí, só o li agora. Não desiludiu nada, pelo contrário. Deu tudo o que eu já esperava e mais ainda.
E recomendo, muito.
Os livros de C P Estés são para ficar ao lado dos de Naomi Wolf ou de Jean Shinoda Bolen e ajudarem a desmistificar um pouco mundos glamorosamente(?) alienados*




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