Monday, September 20, 2010

2 de 20


Escolher mulheres entre as vinte escolhidas por Inês Pedrosa no seu livro 20 Mulheres para o século XX, é inevitavelmente injusto para com as restantes. Mesmo sabendo disso, escolho a cientista Marie Curie e a escritora Agustina Bessa-Luís.
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Era uma mulher [que respondia] pelo Premio Nobel da Química, em Estocolmo, nesse imóvel dia 11 de Dezembro de 1911 [...] Uma vida inteira de um trabalho inovador, paciente, titânico, que lançava as bases de investigação nuclear fazia avançar a medicina, a economia e a técnica científica. Marie já estivera naquela sala, mas na plateia, ouvindo o discurso do Nobel de 1903, feito, em nome do casal, pelo seu marido.
Agora pela primeira vez era uma mulher que subia ao palco. No seu antigo lugar de plateia, sentava-se a filha, que vinte e quatro anos depois subiria aquele estrado, como a segunda mulher nobelizada.
Madame Curie criara, mais do que uma revolução na ciência, uma nova linhagem de mulheres: as que não abdicam da inteligência criadora só por serem mulheres.

Este nobel definitivo aparecia aparecia precisamente na época mais complicada da sua vida. aos 43 anos, viúva, Maria vivia uma relação amorosa com outro cientista, Paul Langevin, cinco anos mais novo, casado, com quem trabalhava há cerca de dez anos. O escândalo rebentara em Agosto de 1911 na imprensa em títulos gordos: "Um romance no laboratório: A Aventura de Madame Curie e Monsieur Longevin" [...] "as luzes do rádio [...] acabam de iluminar um incêndio no coração de dois cientistas que estudam a sua acção com tenacidade; a mulher e os filhos desse cientista choram..." Marie revoltou-se, respondeu, mas só conseguiu acirrar a fúria sensacionalista. A família esforcava-se por lhe esconder os jornais. Mas a multidão moralista cercava-lhe as janelas, atirava-lhe pedras aos vidros, espumando de raiva: "Fora com a estrangeira! Abaixo a ladra de maridos!" Ao mesmo tempo recebia flores e bombons de pessoas desconhecidas. Mas Marie tinha a alma desfeita. A Sorbonne incendiava-se: queriam retirar-lhe a cátedra, tentavam forçá-la a ir para a Polónia.

[...]
Antes da sua atribuição do Nobel, falava-se da sua eventual entrada para a Academia de Ciências francesa. Então atacaram-na de todas as maneiras, pondo em dúvida os seus méritos científicos e lançando suspeitas racistas sobre antepassados judeus; tratava-se sobretudo de evitar essa heresia suprema de incluir uma mulher entre os sábios. Marie não voltou a apresentar os seus trabalhos na Academia de Ciências de Paris, que "chumbou" a sua admissão, por um voto, em relação ao seu concorrente Edouard Branly.
Em compensação, a Academia de Ciências de Portugal elegeu-a como "membro correspondente estrangeiro".
No fim desse mesmo ano de 1911, foi o júri da Academia sueca quem teve o prazer de lhe atribuir o Prémio Nobel. De Química, desta vez, e sem o dividir com ninguém. Aquela mulher destroçada conseguiu, uma vez mais, extrair do poço inesgotável da sua coragem a energia necessária para escrever o discurso do Nobel. Enfrentando os preconceitos históricos do mundo e a intemporal raiva dos medíocres.

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De Agustina diz Inês:
Confessa sofrer de um defeito infernal: o desprendimento: [...] e cita-a: "as pessoas só quando as perco, me alcançam, só quando me deixam as vejo". [...] Explicou um dia que não é amiga de ninguém, embora seja justa com todo o mundo. Mas também diz que os inimigos são apenas amigos falhados.
Aos que nunca ouviram falar dela, costumo defini-la como um cocktail de Marguerites (Yourcenar e Duras) num copo Proustiano, temperado por duas pitadas de sal inglês: um grão de maldade e dois de bom senso, à maneira de Rith Rendell. Ou seja, uma sibila insubmissa e, sobretudo inigualável.
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in "20 Mulheres para o Sec. XX" de Inês Pedrosa
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(Lou Salomé, a musa vampiro
Marie Curie na noite da ciência
Isadora, a revolução em movimento
Virginia Woolf e o mar da escrita
Chanel, a vingadora
Agatha Christie, o crime contra o caos
Golda Meir, a rapariga que inventou um país
Hannah Arendt ou a paixão de pensar
Frida Kahlo, a valentia agora a cores
Simone de Beauvoir, a libertadora aprisionada
Bette Davis, o rosto que acelerou o tempo
Madre Teresa, vedeta do sacríficio
Carson McCullers, a eterna adolescente
Infinita Eva
No esplendor de Sophia
Amar Amália
Agustina , a sibila insubmissa
Marilyn Monroe, a luz crua do sexo
Paula Rego, a menina que pinta a verdade
Maria joão Pires, no corpo das mãos)

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