Este texto, de Eva Enseler, denunciador de uma realidade que continua a repetir-se, em quase todos os cenários de guerra, pode ser lido na íntegra aqui: Feminicídio no Congo - Um resumo do Conselho de Segurança das Nações Unidas
Volto do inferno. Procuro desesperadamente uma maneira para vos contar o que vi e ouvi na República Democrática do Congo. Procuro uma maneira para vos contar as histórias e as atrocidades, e ao mesmo tempo, evitar que fiquem abatidos, chocados ou afectados mentalmente. Procuro uma maneira de vos transmitir o meu testemunho sem gritar, sem me imolar ou sem procurar uma AK 47. Não sou a primeira pessoa que denuncia as violações, as mutilações e as desfigurações das mulheres do Congo. Existem relatórios a respeito deste problema desde 2000. Não sou a primeira que conta estas histórias, mas como escritora e militante contra a violência sexual contra as mulheres, vivo no mundo da violação. Passei dez anos a ouvir as histórias de mulheres violadas, torturadas, queimadas e mutiladas na Bósnia, Kosovo, Estados Unidos, Cidade Juárez (México), Quénia, Paquistão, Haiti, Filipinas, Iraque e Afeganistão. E apesar de saber que é perigoso comparar atrocidades e sofrimentos, nada do que eu tinha ouvido até agora era tão horrível e aterrorizador como a destruição da espécie feminina no Congo. [...]
Passei duas semanas em Bukavu e Goma a entrevistar as sobreviventes. Algumas eram de Bunia. Efectuei pelo menos oito horas de entrevistas por dia. Almocei e fui a sessões de terapia com estas mulheres. Chorei com elas. O nível de atrocidades supera a imaginação. Não tinha visto em nenhuma parte este tipo de violência, de tortura sexual, de crueldade e de barbárie. No Este do Congo existe um clima de violência. Nesta zona as violações tornaram-se, tal como me disse uma sobrevivente, um “desporto nacional”. As mulheres são menos que cidadãs de segunda classe. Os animais são mais bem tratados. Parece que todas as tropas estão implicadas nas violações: as FDLR, as Interahamwe, o exercito congolês e até as forças de paz da ONU. A falta de prevenção, de protecção e a ausência de sanções são alarmantes. [...]
Eu quero falar-vos da Noella. Mudei-lhe o nome para a proteger porque ela só tem nove anos de idade. A Noella vive dentro de mim agora, persegue-me, leva-me a tomar acções, a lembrar. Ela é magra, muito inteligente e viva. O dano está no seu corpo ligeiramente torto, envergonhado, preocupado. Ela sente a ansiedade nos seus pequenos dedos. Começa a contar a sua história como se ainda a estivesse a viver. Para ela o tempo parou. [...]
Eu estou aqui, como artista e activista, mas sobre tudo estou aqui como um ser humano destroçado pelo que ouvi na República Democrática do Congo.
Eve Ensler é bastante conhecida entre nós através da peça teatral monólogos da vagina, adaptada por Miguel Falabella e já apresentada em Portugal recentemente.
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É tão absurdo pensar que coisas assim aconteçam... é difícil demais saber que mulheres como eu, só por serem mulheres são tratadas com essa violência... e as crianças... isso inquieta-me... e dói saber que dói, e da impunidade e do abandono... O continente africano inteiro está sendo violado de várias formas, cimeira africa-europa é uma farsa, aqueles governantes todos são muito corruptos e ignorantes até ao 13º grau... eu preciso fazer alguma coisa, não posso mais ficar parada, vendo mulheres sofrerem e morrerem, física ou psicologicamente, nem sei se o pior é de ter viver com essa dor, essas lembranças todas... ah... preciso fazer alguma coisa...
ReplyDeletemas já está a fazer, Juliana!
ReplyDeleteGrandes coisas começam pequeno... por vezes.
Boa estadia para voce em terras algarvias
;-)
Que horror!
ReplyDeleteEsta é uma daquelas coisas que me dão a volta ao estomago, que me deixam com suores frios e me fazem passar noites em claro.
Como é possível?!?!
beijinho grande, Marian!