Saiu um novo livro de Waris Dirie que faz parte do meu pacote de escolhas para leitura próxima.
Recordo que Waris começou por escrever um primeiro livro, Flor do Deserto, em que relata um percurso pouco usual: a filha de nómadas na Somália, criada no deserto em completa liberdade a conduzir o gado e a adaptar-se ao fluir de cada dia, transforma-se numa muito bem sucedida mulher no mundo ocidental.
Aos cinco anos Waris é excisada e pode-se falar de um primeiro trauma, mas é aos doze quando o seu casamento com um homem de sessenta é negociado e imposto pelo pai a troco de 5 camelos, que Waris prefere fugir pelo deserto e arriscar-se a morrer, a obedecer ao que lhe é destinado.
Muitos acontecimentos vão ainda passar nas páginas deste primeiro livro, até chegar a Inglaterra, até ficar por sua conta, até iniciar uma bem sucedida carreira internacional como modelo de moda, com Waris sempre a defender-se física e mentalmente com um vigor e capacidade invulgares.
Mas é quando tem a coragem de contar a uma jornalista da revista Marie Claire os costumes bárbaros da excisão de que foi tambem vítima - que entretanto ela própria desfez clinicamente; e que continuam a matar ainda hoje (um pouco por todo o mundo, devido a algumas comunidades emigrantes) que a atenção internacional para este problema foi colocada em foco máximo em resultado da reportagem publicada.
Waris encontra finalmente o caminho de vida que hoje percorre e a leva como embaixadora das Nações Unidas a difundir a luta contra esse tipo de tradição assassina.
Talvez tenha sido para isso que a fuga no deserto com que este livro abre tenha contado com muita sorte e tambem a benovelencia de um leão que decidiu prescindir da refeição fácil...
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[...] entreabri os olhos e vi apenas uma coisa: a cabeça de um leão! Totalmente desperta e fascinada, senti os meus olhos abrirem-se desmesuradamente como se quisessem conter o animal inteiro que estava diante de mim. Tentei levantar-me, mas as minhas pernas fracas recusaram-se a obedecer-me pois não comia há vários dias. Deixei-me cair contra a árvore debaixo da qual me abrigara para me proteger daquele sol implacável em pleno meio-dia do deserto africano. [...] o leão estava tão próximo que sentia o seu cheiro almiscarado no ar quente.
[...] Não tinha nada para me proteger, nenhuma arma. Nem forças para correr. Mesmo na melhor das hipóteses, sabia que não conseguiria escapar ao leão subindo à arvore porque, como todos os felinos, era certamente um excelente trepador. [...] Não sentindo qualquer espécie de medo, voltei a abrir os olhos e disse-lhe: - Vem, estou pronta.Era um belo macho, com uma juba dourada e uma longa cauda que abanava incessantemente para repelir as moscas. Tinha cinco ou seis anos era jovem e saudável [...] Durante toda a minha vida tinha visto aquelas patas atacarem zebras e gnus centenas de quilos mais pesados que eu.
O leão observou-me com os seus olhos de mel piscando suavemente. Fixei os seus olhos castanhos, e ele desviou o olhar. - Vamos, acaba comigo. - Ele observou-me de novo antes de desviar o olhar. Lambeu as mandibulas e sentou-se. Depois levantou-se de novo, caminhou diante de mim, para a frente e para trás, com um andar sensual, elegante. Acabou por se virar e afastar-se, certamente convicto de que os meus ossos tinham tão pouca carne que não valia a pena comer-me. Vi-o afastar-se com grandes passadas através do deserto, até a sua pele dourada se confundir com a areia
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