Thursday, October 28, 2004
Lutando contra mitos e preconceitos...
Este texto, excelente e esclarecedor sobre o tema que aborda, é uma tradução livre de Maria Lopes e tem o título "O DIREITO A NÃO SOFRER", que vale muitissimo a pena ler na íntegra.
Suponho que não será novidade para ninguém eu dizer que me revejo em cada uma das suas palavras...
A luta é contra o “espécismo”, hierarquia de espécies postulada pelos homens independentemente de qualquer critério objectivo.
Assim, o espécismo deve ser denunciado e combatido do mesmo modo que o racismo ou o sexismo.
"Ao longo dos últimos séculos , o combate pela igualdade de direitos entre os homens progrediu consideravelmente.
A declaração dos direitos do homem permitiu oficialmente dar a cada um os mesmos direitos, independentemente de noções tão arbitrárias como a cor da pele, o sexo ou o grau de inteligência.
Pelo contrário, nenhum direito foi oficialmente reconhecido aos representantes de outras espécies.
Esses seres são intensivamente explorados pelos humanos (para fins diversos).
O problema é que todos os animais dotados de um sistema nervoso e de um cérebro são, á semelhança do homem capazes de suportar o sofrimento.
Ora, o sofrimento é sempre desagradável de suportar, quer seja no homem, no porco ou no pássaro. O sofrimento é sempre abjecto seja qual for o ser que sofra, e o interesse em não sofrer é o mesmo seja qual for o ser a que respeite.
A igualdade de interesse em não sofrer levou os filósofos a propor o estabelecimento de uma igualdade do direito a não sofrer.
Esta ideia não é recente , já Jeremy Bentham em 1780 escrevia:
“Os franceses já perceberam que a pele morena não é razão para abandonar sem recursos um ser humano aos caprichos de um perseguidor. Talvez se apercebam um dia que o número de pernas, a pilosidade da pele ou a extremidade do osso sacro são razões de longe insuficientes para abandonar uma criatura sensível á mesma sorte.
(...) A questão não é: “Podem raciocinar ?” nem “Podem falar ?” mas “Podem sofrer ?” A ideia base foi lançada por uma teoria de igualdade animal, que foi retomada mais tarde por outros filósofos, entre outros Henry Salt (e também em França, André Géraud).
No entanto, foi preciso esperar pelo fim do séc. XX para que um outro filósofo , Peter Singer , pusesse em marcha uma teoria completa de igualdade animal e pedisse a sua aplicação.
Assim nasceram os movimentos ditos de “Libertação Animal”, daí que possamos considerar que o seu nascimento coincide com a aparição do livro “Libertação Animal”, de Singer, em 1975.
Este livro foi um best seller mundial, traduzido nas actuais línguas mais faladas. A versão francesa foi publicada somente em 1993, por Grasset , e corresponde á 2ª edição da obra (que data de 1989).
De origem inglesa (filho de refugiados da Europa Central fugindo ás perseguições nazis), Peter Singer trabalhou durante bastante tempo na Universidade de Melbourne (Austrália) , e em 1999 conseguiu uma cadeira de professor na Universidade de Princeton. A filosofia de Singer deriva dos utilitaristas morais ( Bentham, Stuart Mill,...): importa antes de mais minimizar a quantidade global de sofrimento, e maximizar a quantidade global de prazer. [...]Se Peter Singer considera que todos os animais são iguais perante o sofrimento, ele continua contudo a aceitar uma hierarquia perante o valor da vida, em função daquilo que um indivíduo é capaz de fazer. Mas Singer recusa que estas distinções sejam motivadas por um simples critério de pertença a uma espécie. Acordar direitos em função de pertença a uma espécie em vez de outra é uma decisão tão arbitrária como acordar direitos em função do sexo ou da pertença étnica.
O ANTI-ESPÉCISMO NA PRÁTICA
Na prática, trata-se de não fazer aos animais aquilo que nos recusamos fazer aos humanos. O homem deve pois cessar toda a actividade como as touradas, os zoos , a caça, mas também a experimentação cientifica e a alimentação carnívora. A filosofia anti-espécista é muito racional e exclui toda a noção subjectiva de amor aos animais nas suas considerações. Não se trata de privilegiar um gato mais que um porco ou uma serpente; os animais devem ser defendidos porque não devem sofrer, independentemente do facto de serem simpáticos ou não.
A finalidade não é só denunciar a pretendida superioridade da espécie humana sobre as outras espécies, mas também, as desigualdades de tratamento dos humanos perante as diferentes categorias de animais.Esta preocupação de racionalidade traduz-se na prática; uma vez que os animais criados para alimentação são de longe os mais numerosos, os mais miseráveis , e muitas vezes pouco considerados pelas organizações tradicionais de defesa dos animais (em comparação com os animais de companhia), eles são o objecto principal da atenção dos anti-espécistas.
[...]
Podemos desde já adiantar que a evolução das mentalidades far-se-á de modo muito diferente consoante o país. Os mais avançados actualmente são os anglo-saxónicos e os do norte da Europa. Na Grã-Bretanha o vegetarianismo progrediu fortemente: 2% da população em 1980, 7% em 1991, 10% em 1995, ainda mais junto aos jovens. Nos inquéritos, os ¾ de vegetarianos ingleses declararam que a sua motivação principal é a de que não se matem animais. A filosofia dos direitos dos animais é um assunto que atrai cada vez mais os pensadores; os colóquios a ele dedicados multiplicam-se. De acordo com Luc Ferry, uma recente bibliografia de livros e artigos sobre esta filosofia ultrapassava as 600 páginas! Mas relativamente poucas obras em língua francesa. É lamentável que a França e outros países francófonos estejam tão atrasados neste importante debate moral."
Tradução livre de Maria Lopes
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