(imagens e texto daqui)
A cena evocada no texto, acontece todos os dias... é um cenário que se repete com poucas variações milhares de vezes, ceifando vidas em toda a parte do planeta.
A verdade é que todos podemos fazer algo para mudar isto.
* * *
Não há como fugir. Impossível romper as paredes de concreto e ferro. Está cercado por homens que usam armas compridas – agulhões elétricos – e aventais manchados de sangue. Tudo em volta cheira a sangue, odor vivo dos que chegaram antes. Já não tem forças para caminhar com as próprias pernas. Eles sabem disso e o deixam parado por alguns instantes – etapa estratégica antes do último corredor (lá precisam mantê-lo em pé).
Momento fatídico, irreversível, quando a realidade mostra as garras afiadas e afugenta a última nevoa de ilusão. O estado de pânico chega ao ponto Maximo: todos os músculos estão tensos; a pulsação cresce ainda mais; o ritmo respiratório cresce, com as narinas inflando em excesso para absorver mais ar; os olhos dilatam em busca de outros estímulos; do abdômen os gases descem, suscitando fezes e urina. O organismo saturado diante da morte anunciada.
No começo era apenas o medo…
Eles chegam no campo resolutos, com os mesmos agulhões, e o identificam. Está marcado para a Viagem. Tenta fugir, acuado, mas leva várias estocadas elétricas. A carne arde e se retesa. Uma complexa reação química começa no cérebro, atingindo todas as células e fibras . E a resposta do corpo à violação do corpo. Debate-se em vão, ataca, em vão. E amarrado, fortemente, é conduzido para o interior do grande carro. Há outros como ele, um em cada compartimento. Estão atordoados, sem entender por que foram expulsos dali. O trajeto é sinuoso, cheio de solavancos, vibrações irritantes, paisagens estranhas. De vez em quando uma nova parada. Mais um embarcado, ofegante, perplexo.
A chegada é violenta, então o medo aumenta. Recebe novas estocadas por todo o corpo, enquanto é conduzido por um angustiante labirinto de corredores e rampas. Para não ser torturado ainda mais, caminha, trôpego, por onde querem que caminhe.
Dezenas de seres iguais a ele gritam, aterrorizados. Como eles passam por vários banhos químicos, que irritam a pele e os olhos.
Não há como fugir. Impossível romper as paredes de concreto e ferro. As fezes, incontidas, escorrem pelas pernas, a urina escorre. Então uma figura familiar lhe aparece na frente, sendo levada pelos homens. Reconhece-a pelo cheiro, pelas imagens de outros tempos, afagos pueris. Os dois olham-se por alguns breves segundos. Ela está calma, resignada, e transmite a ele essa paz incomum. Os algozes não percebem, mas dos olhos dele vertem grossas lágrimas, que se misturam ao sangue escorregadio do chão. Então o pânico recua, os nervos ganham elasticidade, o coração bate compassado, a respiração sossega. Sente-se tranqüilo, estranhamente tranqüilo diante do destino que lhe reservaram. Busca na memória os acontecimentos bons que lhe marcaram a vida; ignora os momentos difíceis da sua condição. Lembra dos espaços abertos, águas e gramíneas, seres iguais em volta. O coração sorri.
Está pronto. É hora de ser conduzido ao último corredor do abatedouro. Depois do derradeiro choque elétrico vai se transformar, para eles, num monte de carne diferenciada, fonte de proteína para todos os paladares. Mas sabe, porque recebeu a Anunciação, que depois do golpe fatal, quando o sangue começar a jorrar por todos os cortes industrializados, romperá concreto e ferro, paredes, numa fuga desenfreada em busca do Éden selvagem.
*Texto retirado do livro “As Víceras e o Coração” de Jaime Ambrósio.*
Jaime Ambrosio nasceu em Anita Garibaldi, SC, em 1958. É formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, tendo também freqüentado o curso de Letras. Participou de movimentos literários na vida acadêmica e foi premiado em alguns concursos, com destaque para o de contos da Sinergia. Em 1998, ganhou o Premio Cruz e Sousa com o livro Por um punhado de contos (historias do bem, historias do mal), publicado pela FCC Edições. Jornalista profissional, atua como editor de texto no SBT, em Florianópolis.
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Nossa...me revirei toda...Senti tudo, Marian. Forte mesmo...Triste.
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