Thursday, December 16, 2004

INICIAÇÃO

Não dormes sob os ciprestes
Pois não há sono no mundo.

O Corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser,

Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então os Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nú.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte.

Fernando Pessoa


No comments:

Post a Comment