Sunday, April 09, 2006

Entrevista com Peter Singer


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O filósofo australiano Peter Singer vem ao longo dos últimos trinta anos tentando realizar na prática o que para muitos não passa de mera utopia: diminuir a quantidade de sofrimento no mundo. Tarefa que fez de Singer um dos mais polêmicos e influentes filósofos vivos. Polêmico, sua indicação para professor de bioética da University Center for Human Values na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, gerou diversos protestos nos portões do velho campus. Sua defesa do direito ao aborto e à eutanásia, lhe renderam o título de "doutor morte" e "o homem mais perigoso do mundo".

Singer defende, entre outras coisas, a igualdade entre "animais humanos e não-humanos", com base na capacidade que ambos têm de sofrer. Argumento que está na origem de seu vegetarianismo. Singer também considera a capacidade de fazer planos para o futuro, relacionar-se e pensar sobre a própria existência. A ética prática de Singer também ecoa em outros campos, como na ecologia e na desigualdade social. Ele defende que os países ricos têm a obrigação de ajudar os pobres e que cada um de nós é responsável por pessoas que neste momento estão morrendo de fome.

Singer também faz comentários à ética de George W, Bush, tema de seu último livro, The President of Good and Evil (ainda sem tradução para o português). No Brasil foram publicados os livros Ética Prática (Martins Fontes), Vida Ética (Ediouro), Hegel (Loyola), Marx (Loyola), Libertação Animal (Lugano) e Um Só Mundo: A Ética da Globalização(Martins Fontes), esses três últimos lançados no ano de 2004.

Sempre muito atencioso Peter Singer, nos recebeu com grande entusiasmo e diz que o Brasil tem um papel fundamental em questões importantes como o tratamento aos animais e nas questões ambientais.

O que o levou à bioética? Como a questão da ética ligada aos animais surgiu no seu trabalho?

Primeiramente, eu estava empenhado em aplicar a ética como uma idéia que, no meu ponto de vista filosófico, devesse ter alguma relevância para o mundo real — isto é, que pudesse fazer diferença. Então em um estágio primário, antes da palavra "bioética" ser utilizada, eu estava interessado em assuntos éticos como o aborto e a eutanásia voluntária. E, quase que por acidente, enquanto fazia meus estudos de graduação em Oxford, encontrei um grupo de pessoas que eram vegetarianos por razões éticas. As conversas com essas pessoas guiaram meu pensamento sobre o estatuto moral dos animais.

Qual a contribuição da bioética para os animais?

Existem muitas pessoas que se preocupam com os animais, mas eu penso que a entrada de filósofos e bioeticistas neste campo faz as pessoas ver que não é apenas por um sentimentalismo, ou amor aos animais, que devemos tratar os animais de forma diferente. A forma como nós tratamos os animais é um assunto moral, da mesma forma como a luta contra o racismo e o sexismo (machismo) são assuntos morais.
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O senhor defende o vegetarianismo. Quais são os fundamentos éticos da sua defesa?

O argumento ético é muito simples. Uma vez entendido que os animais são capazes de sofrer, não há justificativa em fazê-los sofrer, a menos que seja para evitar um sofrimento ainda maior. Mas para nós que temos uma grande variedade de alimentos além da carne, não há necessidade de fazer os animais sofrerem para termos uma boa saúde. Infelizmente, todos os processos de criação de animais utilizados para a alimentação negligenciam os interesses dos animais e os fazem sofrer desnecessariamente. Então, já que nós não precisamos comprar esses alimentos para termos uma vida saudável, nós devemos boicotá-los.

A defesa dos animais não-humanos o levou à defesa de uma dieta vegetariana. Como teve essa relação entre o vegetarianismo e o movimento em favor dos animais não-humanos repercussão na discussão do meio ambiente?

Também existem grandes benefícios ambientais em uma dieta vegetariana. Na maioria das culturas agrícolas, utiliza-se menos energia, menos água e menos terra cultivável, para produzirmos alimentos para o nosso consumo do que na produção de animais. Muitos ambientalistas são vegetarianos também, independentemente dos argumentos em favor dos direitos dos animais.

A questão ambiental é muito discutida hoje. Como o senhor vê a bioética atuar nesse campo?

Existem muitos assuntos éticos que cercam a questão ambiental. Talvez o mais urgente é o aquecimento global. Eu escrevi sobre esse assunto no meu livro Um Só Mundo: A Ética da Globalização. Infelizmente, muitas pessoas nos Estados Unidos, não vêem esses assuntos como parte das discussões éticas. Mas são! Os Estados Unidos estão usando muito mais do que sua "cota" dos recursos que pertencem a todos nós (isso em relação à capacidade da atmosfera de absorver os gases que utilizamos). É como se uma única pessoa comesse 1/3 de uma torta que pertence a todos nós. A preservação da vida selvagem, e muitos outros animais não-humanos que vivem na Terra também é uma importante questão ética.
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As suas propostas causam muita polêmica. Porquê? O que o senhor acha que impede as pessoas de aceitarem, ao menos para discutir, suas propostas?

Eu tenho procurado pensar de um jeito muito diferente em relação às mudanças do ponto de vista da ética tradicional, geralmente baseado em ensinamentos religiosos, o que é focado em especial é o estatuto moral dos seres humanos. E, por exemplo, o meu ponto de vista sobre a pobreza é provável que deixe muitos de meus leitores desconfortáveis. Por isso, não me surpreende que as minhas perspectivas originem muita controvérsia.

O senhor foi um dos fundadores da International Association of Bioethics. Como isso ocorreu e como o senhor vê o panorama da bioética atual?

Eu fundei a IAB, ao lado de Helga Kuhse e Dan Wikler, porque sentia a necessidade de uma organização que unisse as pessoas que faziam a bioética no mundo todo. Nós queríamos realmente uma internacionalização, e não uma dominação pelos Estados Unidos, como era a bioética na época em que fundamos a IAB. Além disso, como alguém cujo ponto de vista tinham sido suprimido na Alemanha, onde tive alguns convites de palestras cancelados por causa do meu ponto de vista, eu sentia que seria importante uma associação internacional que pudesse trabalhar pelo direito de expressão dentro da bioética.
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