A utilidade dos inimigos é um daqueles temas cruciais em que um compilador de lugares-comuns como Plutarco pôde dar a mão a um arguto preceptor de heróis como Gracian y Morales e a um paradoxista como Nietzsche. Os argumentos são sempre esses - e todos o sabem.
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Os inimigos como os únicos verdadeiros; como aqueles que, conservando os olhos sempre voltados para cima, obrigam à circunspecção e ao caminho rectilíneo; como auxiliares de grandeza, porque obrigam a superar as más vontades e os obstáculos; como estímulos do aperfeiçoamento de si e da vigilância; como antagonistas que impelem para a competição, a fecundidade, a superação contínua. Mas são bem vistos, sobretudo, como prova segura da grandeza e da fortuna.
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Quem não tem inimigos é um santo - e às vezes os santos têm inimigos - ou uma nulidade ambulante, o último dos últimos. E alguns, por arrogância, imaginam ter mais inimigos do que na realidade têm ou tentam consegui-los, para obter, pelo menos por esse caminho, a certeza da sua superioridade.
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Mas todos os registadores utilitários da utilidade de inimigos esquecem que essas vantagens são pagas por um preço elevado e só constituem vantagens enquanto somos, e não sabemos ser, os nossos próprios inimigos. Todo o tempo e esforços que se consomem para nos precavermos contra quem nos odeia, e defendermo-nos, seria muito mais bem empregado nas alegrias da paz e caridade. Viver no meio de um círculo de inimigos pode por vezes exaltar o orgulho, inspirar pensamentos heróicos e elevar acima da mediocridade, mas representa sempre permanecer num clima envenenado que, mais cedo ou mais tarde, enfraquece. Saber que toda a palavra será pesada, todo o acto mal interpretado, toda a obra menosprezada, acaba por suprimir a espontaneidade e vontade de fazer algo - conduz à dúvida e à paralisia.
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E se a natureza não fosse tão má como é, os benefícios dos inimigos resultariam inúteis. Quem sabe ser inimigo do mal que tem em si não necessita da inimizade dos outros. Não sabendo ou não querendo ser inimigo dos nossos inimigos íntimos, acabamos por ser verdadeiros inimigos de nós mesmos. O verdadeiro inimigo é, para cada um, o amor de si.
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Se os homens fossem menos invejosos, a prova da grandeza consistiria na admiração e no reconhecimento, e não na hostilidade. Se fossem menos vaidosos e cegos, saberiam a verdade de si por sua conta, sem a aguardar dos adversários. Enquanto formos rancorosos, vaidosos, arrogantes, madraços e propensos à deserção, os inimigos poderão desfrutar - o mal que nos desejam é frutuoso, em alguma parte, em virtude do mal que existe em nós.
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Mas a verdadeira razão que nos predispõe para a apologia indirecta do ódio é a profunda fraternidade entre quem odeia e quem é odiado. Ser inimigo quer dizer assemelhar-se.
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(Giovanni Papini, in Relatório Sobre os Homens)
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