Friday, May 22, 2009

Hakani


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(Hakani parte 3)

Têm os índios brasileiros o direito de praticar o infanticídio?
Era o de que precisávamos: um caso quente que envolve ética, antropologia, direito, política... Em última instância: filosofia...
Em discussão estão principalmente estas duas questões:
1) A diversidade e o relativismo cultural
Se a cultura indígena aprova, ou mesmo determina, que bebês com deficiência física sejam sacrificados (isto é, que sejam deixados sem assistência para que morram, ou mesmo que sejam ativamente matados), nós que temos uma cultura diferente vamos ficar apenas olhando?
Afinal de contas, a diversidade cultural, como há muito se alega, não é um bem?
O relativismo cultural não é apregoado aos quatro cantos, afirmando que nenhuma cultura é superior a outra, e que todas têm o direito de ter seus próprios sistemas éticos, que são igualmente bons, ou, pelo menos, incomensuráveis?
O multiculturalismo não é ensinado em nossas escolas como um valor a ser preservado?
Não é isso que prega, aos quatro ventos, a FUNAI?
2) A questão das “nações indígenas”
Os indígenas brasileiros estão de fora da nação brasileira, constituindo uma outra nação, ou um conjunto de outras nações, com seu próprio território, suas próprias leis, seus próprios costumes, seus próprios valores?
O presidente da FUNAI não é uma espécie de Secretário Geral do equivalente da ONU dessas nações indígenas brasileiras --- e é assim que elas se denominam e a FUNAI freqüentemente a designa?
Não é isso que prega a FUNAI e os seus antropólogos de plantão?
A questão não é só cultural, antropológica, ética: é também política e de direito (quiçá internacional...)
o O o
Por fim, a FUNAI mistura tudo, trazendo para o mexilhão até mesmo a religião: ter um filho defeituoso é, para os índios, um grave "pecado", diz a nota da FUNAI.
A nota da preclara instituição não esclarece, no caso, de quem seria o "pecado": seria dos pais? Da comunidade? Da tribo? Da própria criança que nasce defeituosa? E esse "pecado" justificaria o sacrifício da criança?
A FUNAI parece pensar (se é que pensa) que, no mínimo, são os índios que devem decidir isso, não as leis e o sistema judiciário do país... – e que a cultura predominante do país pensa sobre a questão é absolutamente irrelevante.
A FUNAI alega estar tentando proteger os direitos dos pais da menina. E os direitos da menina com hidrocefalia, quem protege?
As questões do aborto e da eutanásia aqui reaparecem em um contexto multicultural... A cultura aqui faz as vezes da religião (como a nota da FUNAI deixa claro), misturando esse caso com a postura dos Testemunhas de Jeová que se recusam a, por exemplo, fazer transfusão de sangue e a permitir que ela seja feita em seus filhos, ainda que morram...
o O o
Institucionalmente, essa é uma questão da Justiça Estadual ou da Justiça Federal? Ou seria da Justiça Internacional, visto que os Ianomânis são, como se apregoa, uma nação autônoma?
Ainda institucionalmente, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estão em pé de guerra. Quando duas Fundações do Executivo Federal discordam, quem resolve? O Presidente? E o Conselho Tutelar, onde fica, institucionalmente, nessa briga entre as diversas Justiças e as diversas Fundações? E o Ministério Público Federal?
E as Igrejas, que vivem tentando salvar os índios de sua cultura, levando-os a aceitar o Cristianismo, como ficam? E as ONGs, que vivem tentando salvar os índios do Cristianismo e de toda cultura não-indígena, que apito vão apitar?
Numa questão marginal, mas importante, será que nós, agindo na contra-mão da recomendação contida no
princípio da Navalha de Ockham, não estamos multiplicando entidades além da necessidade -- e além do bom senso?
o O o
De repente descobrimos que o infanticídio é praticado no Brasil impunemente e que os índios matam não só crianças que nascem defeituosas, mas também gêmeos e filhos de mãe solteira... E isso com o conhecimento e sob a proteção da FUNAI!!!
Que país é esse?
Que belo cardápio para um curso transdisciplinar que discuta o que hoje seria objeto de cursos de filosofia, antropologia, direito, ciência política, para não mencionar a teologia, a regina scientiarum?
O UOL ataca com suas próprias armas de alta tecnologia: Enquetes e Grupos de Discussão... Enquete: A bebê ianomâmi deficiente deve ser entregue aos pais? Vote! Grupo de discussão: Em casos de vida ou morte, a Justiça deveria interferir em questões culturais? Opine!
Vote!!! Opine!!! A sociedade deve se envolver na discussão da questão, excitar-se toda, ler mais o site do UOL...
Os ativistas devem organizar seus exércitos, fazer demonstrações, elaborar piquetes, conseguir seus 15 segundos de fama...
o O o
No meio disso tudo, há as curiosidades e as figuras ridículas... Nesse primeiro assalto claramente se destaca a figura do administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Fernandes. Colocando-se no lugar da Corte Suprema brasileira ela já sentencia: "Ela (Justiça Estadual) não tem prerrogativa para julgar esse caso. Questões envolvendo índios têm de ser resolvidas na Justiça Federal." Colocando-se na posição de Antropólogo Mor da Nação ele determina: "Os povos indígenas têm direito às suas próprias crenças. Os pais da menina não acreditam mais na medicina ocidental e querem que ela tenha os seus últimos dias na aldeia". Será que os pais da menina acreditaram um dia na medicina ocidental e agora não acreditam mais???
Well, é isso. Boa discussão no fim de semana...
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(história de Hakani)

3 comments:

  1. wickedlizard7:57:00 pm

    k horror!

    estou sem palavras!

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  2. Terrível, Isabel...
    e lá se vai o dogma do bom selvagem!

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  3. anfibia7:01:00 pm

    muito sério mesmo.

    a criança é de uma minoria; o estado é conivente com o extermínio dessas minorias; então faz sentido que defenda os direitos dos pais de mata-la.

    é mais ou menos como a questão dos sacrifícios religiosos de animais. quer dizer - não se trata de vidas relevantes ao capitalismo, então deixa fazer o que a cultura deles determina.

    triste!

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