Friday, June 04, 2004

Agostinho da Silva

Meu caro amigo:
Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.

Agostinho da Silva

Um texto que transmite os valores em que acreditava, o pensamento e percurso de vida de Agostinho da Silva, um rebelde e adepto de que a liberdade é o valor supremo que o ser humano deve sempre preservar.
Agostinho da Silva, nasceu no Porto, Portugal, em 1906 onde se licenciou em Filologia Clássica com a pouco usual nota com 20 valores. Manter a sua independencia de espirito trouxe-lhe diversos dissabores numa época em que Portugal estava sob ditadura: Já professor é exonerado, por se recusar a assinar a Lei Cabral. (Um documento onde tinha que jurar não pertencer a nenhuma sociedade secreta).
Deu aulas de Filosofia, Cultura Portuguesa e Direito no ensino privado.
Tornou-se palestrante e suas ideias provocam muita polémica e atrito com o Estado Novo e a Igreja.
A liberdade de espirito de Agostinho da Silva incomodou. Depois de alguns duelos travados na imprensa com personalidades da epoca como o padre Raul Machado, da Universidade de Lisboa, ou o cardeal patriarca de Lisboa, é preso na cadeia do Aljube e sua biblioteca é confiscada e inventariada.
Já no Brasil, participou na fundação de universidades e centros de estudo, sobretudo fora dos centros urbanos: a Universidade Federal de Paraíba, a Federal de Santa Catarina, a Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Africanos e Orientais da Universidade Federal da Baía.
Adquiriu cidadania Brasileira em 1958, e como representante do Brasil esteve no Japão, em Macau e em Timor Leste, viagens em que fundou o Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, em Tóquio, o Centro de estudos Ruy Cinatti em Macau e o Centro de Estudos Brasileiros, em Díli.
Em 1969, com a ditadura no Brasil, regressa a Portugal onde ocupa a direcção do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e se tornou consultor do Instituto Cultura e Língua Portuguesa.
Nos últimos anos de sua vida, Agostinho da Silva tornou-se uma autêntica «estrela» pela participação no programa «Conversas Vadias» da RTP1.
Investigador apaixonado da quase totalidade das ciências (físicas, biológicas e humanas), das Místicas, das Técnicas, das Pedagogias, tinha uma surprendente frescura de espirito, diálogo lógico e acessivel que teve o grande mérito de tornar mediáticos os assuntos mais elitistas.
«Valioso... para mim... é a noção... de que o que importa não é educar, mas evitar que os homens se deseduquem. Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta. Porque cada um de nós é um ente extraordinário, com lugar no céu das ideias... seremos capazes de nos desenvolver, de reencontrar o que em nós é extraordinário, e transformaremos o mundo.»
Dedicou toda a vida à liberdade do Homem e do Espírito.
Humanista e universalista, fundou universidades, percorreu o mundo com palestras e iniciativas culturais abertas a todos. Falava 15 línguas e dois dialectos africanos e gostava dos desenhos do «Calvin». Agostinho da Silva morreu há 10 anos, em Lisboa.



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