Thursday, May 05, 2005

Especismo, a última trincheira do preconceito



Crítica ao Especismo na Ética Contemporânea

[...]A revolução política assentada sobre a liberdade e a igualdade para os homens teve, desse modo, já nos seus primórdios, um nascimento quadrigêmeo, que seus progenitores tentarão a todo custo esconder nos bastidores da história. Iniciara-se a luta até hoje ainda não finda pela extensão da liberdade e pelo fim do tratamento cruel, em outras palavras, pela abolição da escravidão de homens, mulheres, negros e animais. Mulheres, negros, índios e animais, do mesmo modo como os homens brancos proprietários, são constituídos de uma natureza não adaptável a condições hostis à liberdade física, ao movimento, e à plena expansão de sua forma de expressão. E todas essas características não dependem da razão, nem da autonomia econômica para gerenciar negócios.
Seguindo os passos de seus conterrâneos Ferguson e Primatt, 13 anos depois deste, e no mesmo ano em que os franceses declaram a igualdade universal de todos os seres humanos, incluindo, pois, africanos, índios e os povos de todos os territórios conhecidos, Jeremy Bentham publica na Inglaterra em 1789 o primeiro texto de ética(2) no qual aparece explicitamente o apelo ao aperfeiçoamento moral do homem através da inclusão, na comunidade moral humana, dos interesses de todos os animais dotados de sensibilidade e capazes de sofrer. A conclusão a qual Bentham chega, ao observar como os franceses declararam a igualdade a todos os seres humanos, embora os ingleses ainda mantivessem naquele momento o regime de escravidão destinado a fazer com que os africanos continuassem a servir à economia britânica e européia colonial, é que chegara o momento de libertar também os animais dos interesses vorazes humanos aos quais estavam submetidos.
O tratado de Bentham, An Introduction to the Principles of Moral and Legislation, de 1789, faz-se seguir, três anos depois, pelo primeiro tratado que reivindica a igualdade não apenas entre homens mas também entre estes e as mulheres. Em 1792, um ano após os franceses terem publicado sua primeira constituição republicana, Mary Wollstonecraft escreve A Vindication of the Rights of Women. Para esta mulher britânica, a liberdade e a autodeterminação que garantem a igualdade política e moral haviam, até então, sido cultivadas como ideais masculinos, pensados para reordenar as relações tradicionalmente hierarquizadas entre seres do mesmo sexo, igualmente capazes de se autodeterminarem: os homens. Na esteira desse ideal, no entanto, alguns homens e mulheres começam já a reivindicar liberdade e igualdade para os animais. Mary Wollstonecraft reivindica liberdade e igualdade para as mulheres e para os animais, preconizando uma junção que acaba por marcar a atuação das feministas no Século XIX,(3) retomada pelas filósofas feministas no final do Século XX: a crítica à violência em suas várias formas de expressão: contra raças, sexo, condição econômica, infância, animais e a natureza.
Aquela mesma geração de homens que proclama, pelo menos nos Estados Unidos da América do Norte e na França, ter condições de conduzir suas vidas pelas próprias mãos, sem precisar obedecer a quem quer que seja, além da própria razão -algo que vinham afirmando já desde o Século XVII os tratados da natureza do homem e da política, como dão mostras John Locke com The Second Treatrise on the Government (1689) e Jean-Jacques Rousseau com seu Du Contrat Social (1759) que parece ter inspirado Kant para escrever sua Grundlegung zur Metaphysik der Sitten em 1785- é tomada de surpresa com o tratado de Wollstonecraft a reivindicar a libertação das mulheres da submissão à vontade política e ao poder econômico dos homens.
Aquela presunção feminina produz tamanho furor no filósofo inglês Thomas Taylor, seu conterrâneo, que este acaba por editar no mais puro ato de ironia e sarcasmo A Vindication of the Rights of the Beasts, uma espécie de réplica satírica ao texto da primeira filósofa feminista. Para aquele homem, o que Wollstonecraft reivindica -liberdade, autodeterminação e igualdade, igual respeito e consideração para as mulheres-, na Inglaterra dos fins do Século XVIII, soa tão estapafúrdio quanto o seria reivindicar, no seu entender, direitos para “... cães, gatos e cavalos...”, lembra Singer.(4)
Ironicamente Thomas Taylor acaba por fazer menção à idéia que Primatt em 1776 e Bentham em 1789 já haviam disseminado na Inglaterra: exatamente à idéia dos direitos para “cães, gatos e cavalos”, bem como para todo e qualquer ser sensível, conforme o apregoa o ensaio de Humphrey Primatt e o tratado de Jeremy Bentham, que tão bem defende os interesses de seres sensíveis, na célebre passagem, na verdade uma nota de rodapé do último capítulo de An Introduction to the Principles of the Moral and Legislation, que Singer toma quase como epígrafe para seus próprios textos.(5) Assim, no País onde a monarquia não pôde ser abolida, os homens defenderam a libertação e a igualdade para os animais. Ao fazerem a luta em prol da igualdade e pelo fim da tirania humana sobre os animais, os filósofos ingleses estavam a manter aceso o ideal que aqueles princípios inspiram para todos os seres dotados de liberdade e de sensibilidade.
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Texto presente na Ceda / artigos_e_pareceres

o termo especismo é usado “... para descrever a discriminação generalizada praticada pelo homem contra outras espécies, e para estabelecer um paralelo com o racismo. Especismo e racismo são formas de preconceito que se baseiam em aparências -se o outro indivíduo tem um aspecto diferente deixa de ser aceito do ponto de vista moral. O racismo é hoje condenado pela maioria das pessoas inteligentes e compassivas e parece simplesmente lógico que tais pessoas estendam também para outras espécies a inquietação que sentem por outras raças. Especismo, racismo (e até mesmo sexismo) não levam em conta ou subestimam as semelhanças entre o discriminador e aqueles contra quem este discrimina. Ambas as formas de preconceito expressam um desprezo egoísta pelos interesses de outros e por seu sofrimento.”
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