Friday, September 23, 2005

Cidade: Nairobi



Contrastes e complexidades de uma cidade noutras cordenadas terrestres:
(Bons de visitar são tambem os anexos na página da reportagem, à esquerda)

Uma metrópole turbulenta brilha com as promessas de uma vida melhor, mas nem sempre as cumpre.

Para quem tente compreendê-la, Nairobi pode ser uma cidade muito fugidia. Há quatro anos, regressei a Nairobi, depois de passar uma década na África do Sul. A minha mãe acabara de morrer e eu queria voltar para casa. Tive dificuldade em adaptar-me. Fui morar ao pé de Mlango Kubwa, um bairro de lata na zona oriental da cidade, numa pequena pensão barata chamada Beverly Hills, frequentada por estudantes universitários e recém-empregados. Na primeira noite que lá passei, houve uma inundação e, ao acordar, dei com o meu computador portátil a flutuar sobre 10cm de água.

Depois acabei por me apaixonar pela cidade. Mlango Kubwa é um turbilhão de actividade. Torrentes de pessoas tentam encontrar maneiras originais de sobreviver e prosperar. [...]

Para gerir as suas vidas complexas, os habitantes de Nairobi aprenderam a ter duas personalidades. Passamos de uma língua para outra, de uma identidade para outra, navegando em mundos diferentes, alguns dos quais não se encontram.
[..]
Mash parecia conhecer toda a gente e tratar de milhares de negócios ao mesmo tempo. Era accionista de uma pequena loja que vendia períodos horários para utilização em telemóveis; em alguns fins-de-semana ia à província comprar feijões mung para vender em Nairobi. Muito do dinheiro que ganhava era gasto em advogados. Sentia ser sua responsabilidade recuperar os bens da mãe que julgava terem sido roubados por alguns familiares.
Um dia, vi-o em acção em Mlango Kubwa, ao depararmo-nos com um grupo de vendedoras de roupa em segunda mão, que tinham apanhado um ladrão. Uma multidão já se reunira, pronta para espancá-lo até à morte. Em Nairobi, onde a polícia é o inimigo, há pessoas que se encarregam de dominar as situações incendiárias. Mash agiu com mestria: fala muito bem kikuyu e usou-o nessa situação. Nós, kikuyu, damos grande valor às pessoas capazes de “falar bem”, capazes de chamar a atenção, até mesmo de modificar os comportamentos através da força da retórica.

Quando as mulheres estavam prestes a entregar o ladrão a alguns homens, Mash dirigiu-se às mulheres com um provérbio kikuyu que dizia que os homens não sabem lidar com situações difíceis: “Maitu, tha cia arûme itirî iria.” Que significa: “Os homens não conseguem que um bebé pare de chorar, amamentando-o.”

As mulheres riram.
[...]
Ao entardecer, eu e Mash passeávamos mais descontraídos. Há algo de mágico no momento em que a luz enfraquece, a cidade deixa de brilhar e as pessoas distanciam-se de si próprias, nessa hora de transição [mais]
*

2 comments:

  1. Anonymous2:22:00 pm

    Super interessante. Acho fascinante entrar em contato com outras culturas e reparar como até mesmo as pequenas ações do dia-a-dia, coisas que fazemos de forma automática, conseguem ser tão diferentes. E isso não em uma aldeia perdida no interior de sei lá aonde mas sim numa cidade grande como a nossa. Adoro observar essas diferenças...

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  2. Tambem eu, Marcelo... os 'comportamentos' sao sempre fascinantes!

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