Sunday, August 20, 2006

O que nos conta Azar do Teerão


Azar Nafisi, a escritora de Ler Lolita em Teerão

Ainda estou no príncipio mas estou a gostar bastante do livro...

As duas fotografias deviam ser colocadas lado a lado. Ambas personificam a «frágil irealidade» - para citar Nabokov, falando da sua própria situação de exilado - da nossa existência na Républica Islâmica do Irão. Uma anula a outra; contudo, sem uma, a outra está incompleta. Na primeira fotografia, ali de pé com as nossas túnicas e lenços pretos, somos os seres criados pelos sonhos de outras pessoas. Na segunda, aparecemos como nos imaginávamos a nós própias. E em nenhuma delas conseguíamos sentirmo-nos completamente à vontade
[...]
Até 1994, o chefe da censura cinematográfica no Irão era cego. Ou melhor quase cego. Antes de desempenhar essas funções, fora chefe de censura do teatro. Um dos meus amigos dramaturgos explicou-me uma vez que ele costumava sentar-se no teatro com uns óculos muito grossos, que pareciam esconder mais do que mostravam.

Ao lado dele sentava-se um assistente que lhe explicava o que se estava a passar no palco, e então ele decidia quais as partes que tinham de ser cortadas.

Depois de 1994, esse censor passou a ser o chefe do novo canal de Teerão. Aí aperfeiçoou os seus métodos, exigindo que os argumentistas lhe dessem os seus argumentos em cassete-áudio; estavam proibidos de os embelezar ou dramatizar de uma forma ou de outra. Então ele tomava as suas decisões sobre os argumentos baseado no que ouvia nas cassetes. Mais interessante ainda, contudo, foi o facto de o seu sucessor, que não era cego - pelo menos, não físicamente -, seguir tambem o mesmo sistema.
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O nosso mundo controlado pelas leis dos mullahs era defnido pelas lentes incolores do censor cego. Não fora apenas a nossa realidade, mas também a nossa ficção que adquirira essa curiosa coloração, num mundo em que o censor rivalizava com o poeta em reinventar e recriar a realidade, onde simultaneamente nos inventávamos a nós próprias e éramos simples produtos da imaginação de outras pessoas.
[...]
As cores do meu lenço ou da gravata do meu pai eram símbolos da decadência ocidental e das tendências imperialistas. Não usar uma barba, apertar as mãos aos membros do sexo oposto, bater palmas ou assobiar em público eram igualmente considerados hábitos ocidentais e portanto decadentes, como parte da conspiração armada pelos imperialistas para destruir a nossa cultura.

(In: Ler Lolita em Teerão)

entrevista com Azar Nafisi: Go Ask Your Mother

entrevista relacionada ao tema, tambem com A.Nafisi
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