Tuesday, November 09, 2004
Insondáveis silêncios
Site da Isabel Allende
Abaixo, mais um exerto de Paula, contando o nascimento da neta Andrea.
...apareceu o resto do corpo da minha neta, um embrulho ensanguentado e frágil, o mais extraordinário presente. Num soluço abissal senti no centro do meu ser a experiência sagrada de dar à luz, o esforço, a dor, o pânico e agradeci maravilhada a heróica coragem da minha nora e o prodígio do seu corpo sólido e do espirito nobre, feitos para a maternidade. Através de um véu no olhar pareceu-me ver o Nicolás comovido a pegar na criatura que eu tinha nas mãos para a poisar no regaço da mãe. Ela soergueu-se nas almofadas a arfar, inundada de suor e transformada por uma luz interior. Indiferente totalmente ao resto do seu corpo que continuava a pulsar e a sangrar, apertou a filha nos braços e, inclinada para ela, deu-lhe as boas vindas com uma cascata de palavras doces numa linguagem acabada de inventar, beijando-a e cheirando-a como fazem todas as fêmeas, e pô-la de encontro ao peito no gesto mais antigo da humanidade. O tempo cristalizou no quarto e o sol parou sobre as rosas do terraço, o mundo susteve o alento para celebrar o prodígio daquela nova vida. A parteira deu-me uma tesoura, cortei o cordão umbilical e a Andrea iniciou o seu destino separada de sua mãe. Donde vem esta criança? Onde estava antes de germinar no ventre de Célia? Tenho mil perguntas para lhe fazer, mas temo que quando me puder responder já tenha esquecido como era o céu... Silêncio antes de nascer, silêncio depois da morte, a vida é um mero ruído entre dois insondáveis silêncios.
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